O fim do Muro de Berlin

O fim do Muro de Berlin

"Rompeu-se o gelo. Sobre o dia de hoje o que eu posso afirmar é que no livro da história germano-soviética não somente demos um volta na sua página, senão que começamos a escrever conjuntamente um novo capítulo que confiamos terá muitas páginas." Helmuth Kohl, chanceler da Republica Federal da Alemanha, após um encontro com Mikhail Gorbachov" (Moscou, 27 de outubro de 1989)

Foto: Bundesbildstelle, Berlin

A agitação tomara conta da cidade inteira. De um lado e do outro do muro aguardava-se algo de espetacular para qualquer momento. Os três milhões de habitantes de Berlim estavam tensos, nervosíssimos, tanto quanto quarenta anos antes, quando Stalin mandara isolar a ex-capital alemã, em 1949.
Os jornalistas correram para a anunciada audiência que o porta-voz do governo da RDA, a Alemanha comunista, estava disposto a dar para esclarecer a posição do regime sobre os últimos acontecimentos. No verão daquele ano de 1989, entre junho e agosto, interpretando a seu modo a Glasnost, a política de abertura desencadeada pelo chefe de estado da URSS, Mikhail Gorbachov, o comitê central do Partido Comunista da Hungria decidira abrir a fronteira com a Áustria, fechada desde 1956. 
Ao saberem da noticia, milhares de alemães orientais viram naquela oportunidade um meio de fugir em massa. Ao mesmo tempo, outros que estavam em férias em Praga e em Varsóvia simplesmente invadiram as embaixadas da Alemanha Ocidental para conseguir algum tipo de licença que os permitisse emigrar para o lado Oeste. A rapidez com que tudo se processou foi estonteante. Quem poderia supor que as festividades realizadas há bem pouco em Berlim, em 7 de outubro, pelo regime comunista – forças armadas e militantes desfilando juntos pela avenida Unter den Linden, celebrando os 40 anos da fundação da RDA (República Democrática Alemã) - se transformaria numa cerimônia fúnebre e no réquiem do marxismo-leninismo?

O chanceler Helmulth Kohl, da República Federal, tratou de negociar em dois planos: em primeiro, havia acordado com Gorbachov que o destino futuro da Alemanha seria acertado dali em diante pelos próprios alemães, com a segurança de que os tanques soviéticos não interviriam como ocorrera em 1953, e, em segundo, obteve o consentimento do governo comunista para que os alemães orientais que estivessem refugiados nas embaixadas de Praga e Varsóvia pudessem viajar num ‘comboio da liberdade’ de volta ao território da RDA sem serem molestados pelos vopos ( a guarda miliciana).

Deu-se então um momento épico na história nacional germânica do pós-guerra. Enquanto os trens cortavam o país, milhares de concidadãos afluíram para as estações para saudar, eufóricos, os que tiveram a coragem de se expor. Um mês antes de o muro ser aberto, no dia 9 de outubro, os oposicionistas da cidade de Leipzig concentraram-se na Nikolaikirche, a velha igreja da cidade que servia de abrigo para as crescentes reuniões políticas. Eles, que não ultrapassavam oito mil ativistas na saída do templo, foram engrossados por mais de 80 mil pessoas. 
Ruidosos, portanto velas acesas naquele ao cair da noite, gritavam Wir sind das Volk!, ‘Nós somos o povo!’, o que parece que intimidou o enorme aparato repressivo que havia sido convocado para contê-los e que nada fez. Evento que não tardou em se repetir em Dresden, Halle, Karl-Marx-Stadt, Magdeburg, Plauen, Rostock e Schwerin.

Chegou-se então ao dia 9 de novembro. De todos os lados ouviam-se clamores pelo fim do muro. Para que se abrissem as cancelas que desde 1961 separavam as duas partes da cidade. Remexendo os papeis que estavam sobre a mesa, o representante da Alemanha Oriental Günter Schabowski leu apressadamente a nota que confirmava a abertura imediata do muro. Foi um Abre-te Sézamo. A partir daquele instante, poucos berlinenses ficaram em casa. 
Previdente, para evitar o pior, Heinz Schäfer, que chefiava o posto da Waltersdorfer Chaussee, ordenou aos seus guardas que se desarmassem, para evitar incidentes, visto que uma multidão sem fim afluía para as passagens. Do outro lado vieram os ocidentais. Começaram a escalar o muro em meio à confraternização geral. Alguns, embriagados de alegria e de Schnaps, davam-lhe golpes com picaretas ou barras de ferro. O pesadelo de tantos anos tinha acabado e, em pouco tempo, 146 quilômetros de cimento, pedra e arame farpado vinham abaixo e a Alemanha encaminhou-se para a reunificação nacional.


Voltaire Schilling.
Historiador e diretor do Memorial do Rio Grande do Sul em Porto Alegre.
Matéria publicada também em Zero Hora (www.zerohora.com.br), edição de 08 11 2009.

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